7 de Setembro: Os mitos e verdades sobre a Independência do Brasil

Na imagem, o quadro “O grito do Ipiranga” de Pedro Américo, 1888. Museu Paulista/USP, SP.

Possuímos algumas problemáticas no brasil. Em suma, não sabemos como atribuir os motivos e questões ao fato em si. Mas convenhamos, o país é a terra dos mitos.

Não digo as grandes histórias indigenistas, relacionadas ao seu politeísmo, e suas bases metafísicas. Eu me refiro aos mitos criados e pré-estabelecidos para construção do identitário nacional. E, apesar de não sermos europeus e não estarmos mergulhados nas vaidades das lendas medievais ou renascentistas. Somos tomados pelo ímpeto de narrar a luta anticolonial.

 Nossas querelas do período de domínio luso são reais: movimentos como Malês, Cabanagem, foram articulações ou lutas populares anti domínio português, que, apesar de regionais, tiveram forte impacto popular. Mas, ao citarmos a Inconfidência Mineira, esquecemos que estamos falando de um movimento de caráter regional, que na sua concepção foi uma confabulação anti portuguesa de aspecto elitista.

COMO REALMENTE ACONTECEU

A emancipação brasileira caminhava a passos largos, apesar de truncados, desde a chegada da Corte Portuguesa, em 1808, e as políticas liberais de D. João VI: como a abertura dos portos e, depois, a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarve. O momento da Independência, em 07 de setembro de 1822, foi uma série de fatores econômicos, acordos políticos e picuinhas diplomáticas entre Portugal e o governo regencial de D. Pedro I que levaram este último a assinar uma declaração de Independência de maneira burocrática, sem o mínimo do charme retratado no mito da “Independência ou morte”. Nossa emancipação política foi, portanto, um arranjo elitista de fazendeiros, burgueses e exército que já haviam se acostumado com um Brasil sem Pacto Colonial ¹.

Nosso governo monárquico foi problemático e atravancado. O Primeiro Reinado de D. Pedro I foi marcado por crises econômicas, violência institucional e má gestão de política externa, além de sermos a única monarquia em uma América fundamentalmente republicana.  E claro que existe um diálogo plausível relacionado à presença do coração de D. Pedro I no Brasil. Que começa de maneira simples: Essa figura realmente merece todas as honras que seu órgão solitário recebe nas atuais comemorações do 7 de setembro?

O Primeiro Reinado foi sucedido por um período de governo de regentes mal preparados, e que, se não criavam medidas legislativas com excesso de burocracia, era com total falta delas. Levando a mais instabilidade, revoltas, e criação da absurda Guarda Nacional. Um grupo de fazendeiros com patentes de coronéis com liberdade para compor forças paramilitares particulares. Um problema que se prolongará até o início da república, e que, será a base do controle eleitoral conhecido como: voto de cabresto (ou de curral).

Ao final da Monarquia, a Proclamação da República, que aconteceria depois de sucessivas crises políticas do governo de D Pedro II, também foi um movimento exclusivo do exército e das elites agrárias tupiniquins.“O povo assistiu bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar”, disse Aristides Lobo sobre o golpe que iniciou a república no país.

Mais uma vez a população não é “convidada”, a fazer parte de um novo movimento de ruptura política, criando ou alargando, ainda mais, o distanciamento entre “povo” e “identidade nacional”. Nesse contexto, concebeu-se um novo mito. Não somente do herói nacional, mas do herói republicano. Omitindo propositalmente a princípio o mártir mineiro, relembramos: Tiradentes. Alferes, pobre, de ideais republicanos e iluministas, foi um dos articuladores do movimento. Tragicamente, e, por questões sociais, irônico, foi o único a ser condenado à morte por “conspiração”. Outros envolvidos, como os poetas Claudio Manuel da Costa, que morreu na prisão (suspeita-se de assassinato) e Tomás Antônio Gonzaga, haveriam de ser presos e deportados. Tiradentes não somente foi enforcado, como esquartejado depois de morto. Para servir de exemplo a outros que não atentassem contra Portugal, partes do seu corpo foram espalhadas pelas estradas que chegavam às cidades mineradoras.

Movimento relativamente esquecido por mais de um século, foi recuperado pelos executores da república com uma nova roupagem mítica. Tiradentes passará a ser tratado como herói repubicano nacional, que lutou contra os portugueses, e contra a dinastia de Bragança, não por coincidência, a mesma da qual D. Pedro II descendia. Nessa lógica narrativa, quadros e artes da face e corpo de Tiradentes foram criados sempre buscando retratá-lo com barba e cabelos compridos, vestes brancas em semelhança a túnicas e em muitos casos, com uma cruz e/ou símbolos católicos. Sempre equalizando sua imagem com a figura de Cristo.

COMO OS MITOS DA INDEPENDÊNCIA AFETAM NOS DIAS DE HOJE

Os mitos em quais o Brasil foi construído forjaram a imagem de um país que lutou por suas transformações políticas em todos os momentos e sempre saiu vitorioso ou inspirado a mais desafios e metamorfoses. Esses mitos, são histórias de ficção, falhas, enganosas e que mais atrapalharam do que ajudaram no entendimento do que é o povo brasileiro. Afinal, qual o debate plausível que podemos estabelecer, se tratamos a nossa história, como um livro de aventuras e não com o teor analítico científico que devem ser tratadas. Como podemos analisar a participação do povo na construção social em que vivemos, se sempre partimos do pressuposto que as transformações são um monopólio da elite. As comemorações dos 200 anos de Independência podiam ser um ótimo momento de debates e diálogos sobre de onde viemos, e para onde pretendemos ir enquanto país.

1: Monopólio exercido pela metrópole sobre sua colônia na época do Antigo Sistema Colonial.

Autor: Prof. Caio Terciotti

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